quinta-feira, 30 de setembro de 2010

vivências de uma escriba


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No r/c, havia duas salas, com mais estantes poeirentas, fiéis depositárias de documentos, no mesmo estado, pertencentes à Repartição onde a escriba trabalhava, e, no fundo do corredor, existia  outro Serviço Público, que ocupava  uma pequena parte do edifício, de cujas janelas se vislumbrava um quintal, repleto de ervas daninhas e de bicharocos, alguns dos quais eram visitas assíduas desse Serviço, queixando-se os respectivos escribas,  de que, até nos teclados dos computadores se infiltravam, atribuindo-lhes ainda a culpa das muitas picadas que lhes apareciam no corpo! Curiosamente não subiam escadas, porque nunca apareceram nos andares superiores!
Não havia elevador. Os utentes com deficiência motora, eram atendidos na rua. Surpresos? Leram bem, estava-se já no século XXI!
As escadas, de madeira, tinham os degraus gastos, que gemiam, doridos, à medida que iam sendo pisados. Quanto ao corrimão, tremelicava, ao ser agarrado.
No primeiro piso funcionava  a Repartição detentora do arquivo (?), na cave. Apenas o mobiliário, magnífico, da sala de actos solenes, também gabinete do chefe, escapava à decrepitude de tudo o resto. As secretárias e cadeiras dos escribas, constituíam o que parecia ser um amontoado de velharias!
O chão rangia, (tal como as escadas), o tecto, de vez em quando, cuspia montes de estuque, ficando com clareiras de tábuas fininhas. Esse estuque caía  nos móveis, inclusivamente na mesa da sala de actos, e, curiosamente, essas ocorrências não coincidiam com o horário da funcionária da limpeza, tocando aos escribas limpar os estragos, de maneira a poderem atender o público e desempenhar as outras funções, com uma certa dignidade. Nos cantos, depositava-se, (tal como na cave), veneno para os ratos, cuja urina deitava um cheiro pestilento. Nesse piso, num varandim das traseiras, havia uma minúscula casa de banho, a única ainda utilizável, embora pouco, porque a sanita vivia entupida e o tecto, prenhe, devido a infiltrações de água, ameaçava parir a qualquer momento. Existia ainda uma varanda, que dava para o quintal abandonado, do qual já vos falei. As janelas da frente espreitavam para o largo, onde se encontrava o famoso jacarandá, que o saudoso Eugénio de Andrade avistava, quando esteve internado no Hospital de Santo António, na Invicta cidade.

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